LOCKDOWN – A RESTRIÇÃO DO DIREITO DE LOCOMOÇÃO É CONSTITUCIONAL?

LOCKDOWN – A RESTRIÇÃO DO DIREITO DE LOCOMOÇÃO É CONSTITUCIONAL?

É a vez do “Lockdown”. Cidades em todo o país começaram a adotar a medida na tentativa de conter o avanço da Covid-19.

Diversos questionamentos surgem quando se fala nessa medida, mas afinal, o que é “Lockdown”? É o mesmo que isolamento? Ou mesmo, essa medida é constitucional? Posso ter o direito de locomoção restringido?

Primeiro, o que é “Lockdown”?

Lockdown é uma ordem de bloqueio, uma medida de restrição em grau máximo em função de grave ameaça ao sistema de saúde, podendo ser oriunda de lei ou de medida judicial. Sendo em razão do último, esta deve ocorrer para suprir a omissão do Poder Executivo local na ordenação da medida restritiva.

É o mesmo que isolamento?

O Lockdown se caracteriza como uma ordem de restrição, não apenas uma recomendação de isolamento.

Durante o período estabelecido, as entradas e saídas da localidade são bloqueadas, sendo permitida apenas a continuidade de serviços essenciais, tais como: farmácias, estabelecimentos de saúde, coleta de lixo, petshops, mercados e congêneres.

A circulação de pessoas é ponto importantíssimo quando se fala em Lockdown. A medida ordena a não circulação de pessoas que não estejam envolvidas com os serviços essenciais, inclusive, sendo passível de imposição de multa administrativa para os que desobedecerem a ordem.

Ora, e como fica a liberdade de locomoção estabelecida na Constituição Federal? Será o Lockdown uma medida inconstitucional?

Desde já, cabe ressaltar que nenhum direito é absoluto, em determinadas circunstâncias direitos podem ser flexibilizados.

A Constituição Federal prevê em seu art. 5º, no rol de direitos fundamentais o direito de locomoção, em que garante “é livre a locomoção no território nacional em tempo de paz, podendo qualquer pessoa, nos termos da lei, nele entrar, permanecer ou dele sair com seus bens”.

Entretanto, a própria Constituição Federal prevê de forma expressa que a partir da decretação de estado de defesa e de sítio – o que pode ocorrer em determinadas ocasiões dispostas na Carta Constitucional, envolvendo situações de grave ameaça para a ordem pública do país – poderão ser limitados certos direitos, como o direito de reunião e o direito de locomoção, respectivamente.

Já o Brasil teve decretado pelo Governo Federal o estado de calamidade pública em 20 de março deste ano, permitindo que se gaste mais do que o inicialmente previsto na Lei Orçamentária Anual (LOA) na área de saúde.

Assim, a não decretação de estado de defesa pelo Poder Público inviabilizaria a instituição do Lockdown que vem sendo adotado em várias localidades do país?

A Constituição deve ser objeto de interpretação, a letra fria da mesma muitas vezes não trás o sentido desejado no momento de sua elaboração ou está adequado ao presente momento.

O país e o mundo não estão em um “estado de normalidade”, caso estivesse, certamente a inconstitucionalidade de uma medida de tal porte seria flagrante.

As normas constitucionais não devem ser interpretadas isoladas umas das outras, é o que a hermenêutica jurídica nomeia de interpretação sistemática. O direito de locomoção deve ser observado em conjunto com outros direitos e princípios constitucionais.

É exatamente aí que entra o direito à saúde.

O art. 196 da Constituição Federal trás a seguinte disposição: “A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.”

Portanto, além do trecho que diz que a saúde é direito de todos, tão ou mais importante é a segunda parte do dispositivo, que afirma ser dever do Estado garantir, através de políticas públicas, o efetivo exercício deste direito pelos seus cidadãos.

Assim, as medidas de restrição de locomoção e isolamento contribuem para que haja uma salvaguarda do direito à saúde, estabelecendo medidas para que seja evitado o caos – já instaurado em várias localidades –, com superlotações, falta de leitos, equipamentos, medicamentos e profissionais, não inviabilizando que tal direito seja alcançado por quem precisa.

Havendo conflito de princípios e direitos, a regra da proporcionalidade é a chave para avaliação da constitucionalidade de uma medida no momento de um estado de calamidade pública, devendo-se avaliar individualmente se as medidas adotadas são adequadas, necessárias e se os benefícios por ela proporcionados serão superiores aos danos eventualmente causados.

No embate entre direito de locomoção e direito à saúde, este deve ser privilegiado, se apresentando, no momento, as medidas de restrição de locomoção como as mais adequadas para a preservação da vida, tendo em vista a rapidez de propagação do vírus e os recordes diários do número de óbitos no país em razão da pandemia do Covid-19.

Advogado, sócio. Coordenador do BCP Start, Programa de Assessoria Jurídica para Startups. Graduado pela Universidade Federal Fluminense (UFF). Pós-graduado em Direito da Saúde pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio). MBA em curso em Gestão, Empreendedorismo e Desenvolvimento de Negócios pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS). E-mail: fellipe@bcpadvogados.com.br

Sobre o autor

Fellipe Almeida author

Advogado, sócio. Coordenador do BCP Start, Programa de Assessoria Jurídica para Startups. Graduado pela Universidade Federal Fluminense (UFF). Pós-graduado em Direito da Saúde pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio). MBA em curso em Gestão, Empreendedorismo e Desenvolvimento de Negócios pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS). E-mail: fellipe@bcpadvogados.com.br

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